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'E se?': Antes de morrer, Dener mostrou dinheiro de acerto com Stuttgart a ex-companheiro de Portuguesa

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'Ele estava vendido para o Stuttgart, da Alemanha': Tico conta que Dener fez essa revelação antes do acidente fatal de carro (1:16)

Sinval e Tico são os convidados do Resenha ESPN: Especial 30 anos sem Dener (1:16)

Era uma tarde de 18 de abril de 1994 quando Tico viu Dener pela última vez. Os ex-companheiros de Portuguesa se encontraram no estacionamento do Canindé, por acaso, após um treino da Lusa. Dener carregava uma sacola cheia de dinheiro. Ele mostrou ao amigo e confidenciou: "Não conte para ninguém: estou vendido ao Stuttgart, da Alemanha".

Dener, à época com 23 anos, queria disputar a Copa do Mundo, que começaria dali a dois meses. Para isso, além de convencer Parreira, precisava encarar cerca de cinco horas de estrada a bordo de um Mitsubishi Eclipse 1992, com placa DNR 0010, para chegar a tempo do treino do Vasco, onde atuava, no Rio de Janeiro. A viagem e os planos para a carreira foram interrompidos perto de casa, na Lagoa Rodrigo de Freitas.

A batida contra uma árvore foi fatal para o jogador, que cochilava deitado no banco do carona, em posição não recomendada, e foi asfixiado pelo cinto de segurança. Era madrugada de 19 de abril, há exatos 30 anos. Faz três décadas que os fãs de futebol fazem a mesma pergunta: "E se ele não tivesse morrido?".

A ascensão

Dener surgiu para o Brasil na Copa São Paulo de Futebol Júnior de 1991. A Portuguesa foi campeã com a melhor campanha da história: nove vitórias em nove jogos, com 32 gols marcados e apenas sete sofridos. Além do menino franzino, que encantava por seus dribles e arrancadas, a Lusa contava com Tico e Sinval, convidados do Resenha ESPN desta sexta-feira (19), que homenageia Dener - assista às 22h pela ESPN no Star+.

Os ex-companheiros do craque relembraram histórias marcantes da curta e intensa carreira do camisa 10.

"Conheci o Dener quando ele tinha 11 para 12 anos. Desde o dente de leite. Fomos fazer um amistoso e ele jogava no Vila Maria. A Portuguesa ganhou, só que tinha um neguinho diferente no outro time, que saia rabiscando todo mundo. Ganhamos o jogo, mas ele era diferente. Foi aí que ele veio para a Lusa", contou Tico, que disputava com o amigo, durante os jogos, quem dava mais canetas e chapéus nos adversários.

"O treinador falava para ficar lá na frente para não atrapalhar eles. O Écio Pasca (treinador da Portuguesa na Copinha de 1991) falou que os craques eram os dois. 'Estão dispostos a carregar o piano?' Eu aceitei sem problema algum. Esperava eles", brincou Sinval, que foi artilheiro da competição de juniores, com 12 gols.

Os três subiram em sequência para o elenco profissional. Ainda sob contrato com a Portuguesa, Dener foi emprestado para o Grêmio, onde conquistou o Campeonato Gaúcho de 1993, e depois para Vasco. No clube carioca, venceu a Taça Guanabara de 1994 e, de forma póstuma, o Campeonato Carioca do mesmo ano. O Stuttgart seria o quarto time da carreira.

E se?

Dener é colocado, por quem o viu jogar, no mesmo patamar de grandes ídolos e craques do futebol brasileiro, como Romário, Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho. A torcida vascaína chegou a cantar, nas arquibancadas do Rio de Janeiro, que ele era "a mistura do Garrincha com o Pelé".

A partir do momento em que se tornou cada vez mais comum que brasileiros de destaque fossem contratados por times europeus, nenhum atleta da expectativa que Dener gerava foi direto ao futebol alemão. Como Dener se sairia por lá? É impossível saber, mas dá para entender o cenário que encontraria.

O comentarista André Donke, da ESPN, deu um panorama de como o Stuttgart estava à época. "Dener pegaria um time longe de ser o protagonista, tanto que terminou na 12ª colocação da Bundesliga em 1994/95, que seria a primeira temporada do brasileiro por lá. Mas poderia ser uma boa oportunidade para dar um salto na carreira", contextualizou.

Donke usou como exemplo Giovane Élber, que jogou na equipe em um momento parecido, entre 1994 e 1997, e depois virou ídolo e campeão da Champions League com o Bayern de Munique.

"A adaptação poderia ser auxiliada com a presença de Dunga, então com 31 anos e capitão da seleção brasileira na conquista da Copa do Mundo de 1994", disse o comentarista.

"Talvez não viesse a ter muitas conquistas coletivas, mas poderia ter tido um bom início de trajetória na Europa", completou.

O futebol alemão viveu bons momentos na década de 90. O Borussia Dortmund venceu a Champions League em 1996/97; o Bayern de Munique, em 2000/01. O Sttutgart foi campeão da Copa da Alemanha em 1996/97, o que não acontecia havia 39 anos, e terminou em quarto na Bundesliga da mesma temporada.

Na época da contratação de Dener, ainda não havia a Lei Bosman, que permitiu que jogadores de países da Comunidade Europeia fossem contratados por equipes do bloco sem serem considerados estrangeiros.

"A Alemanha não fazia contratações tão badaladas. Não tinha um campeonato tão forte quanto o Italiano e via a Premier League em ascensão", explicou Donke.

O ex-volante Zé Elias, hoje comentarista da ESPN, jogou no Bayer Leverkusen entre 1996 e 1997. Ele era designado para marcar de perto os camisas 10 das equipes adversárias e acredita que Dener teria de enfrentar essa 'perseguição' dos rivais.

"Ele ia encontrar um futebol mais duro, de muita força. Certamente seria marcado individualmente. A Alemanha naquela época era um futebol de força e de marcação nos principais jogadores", pontuou o ex-atleta.

No Resenha ESPN, Djalminha, que foi ídolo do La Coruña, opinou sobre onde Dener poderia ter brilhado. "Ele é da minha geração. Eu joguei no futebol espanhol. Acho que ele jogaria em qualquer lugar do mundo, mas na Espanha, com as características de ir para cima e driblar, ia deitar e rolar". "Ele não driblava, [praticamente] desviava. Ele era muito mais agudo, objetivo", relembrou Sinval.

O ex-zagueiro Ivan Rocha, que enfrentou Dener, resumiu o sentimento de ex-companheiros, ex-adversários e amantes de futebol. "Falar dele é muito complicado. Se o futebol brasileiro não tivesse essa perda, poderia ter um dos jogadores mais brilhantes".